
Os casos mais graves estão naqueles que não possuem condições de pagar, ou não querem assumir esta responsabilidade, mas, delegam o ônus ao profissional sob o argumento que o médico veterinário fez um juramento para tentar salvar o animal e acima de qualquer outro interesse. Ocorrem com mais frequência aos cuidados de animais abandonados, aos acidentados sem donos que são encaminhados por alguém a primeira clínica, aqueles de baixa renda que adotam animais, etc.
Nessas discussões, invariavelmente envolvem comparações da medicina
veterinária com a assistência médica em relação às pessoas. Entretanto, na saúde
humana a Constituição Federal de 1988 criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e tornou
a saúde como um direito a qualquer pessoa seja rico ou pobre e de caráter
público. Para chegar a este sistema, foi longo e moroso o processo de
construção com a sociedade. Além disso, também na advocacia existe a defensoria
pública dirigida aos carentes para que a justiça seja bem aplicada. São
exemplos clássicos de políticas públicas desejadas pela sociedade e viabilizada
politicamente.
Assim, no universo da assistência veterinária é um mundo completamente
diferente em relação ao sistema de saúde que atende as pessoas, principalmente
no quesito de quem paga. Se uma pessoa sofre um acidente independente de sua
condição financeira, há um aparato de urgência e emergência em que este
paciente é encaminhado a um plantão de assistência já estruturado, que ao final
alguém sempre vai pagar, mesmo que seja público, ou por plano de saúde, ou
particular. Então as juras do profissional médico e a ética em salvaguardar a
vida humana são garantidas por uma estrutura criada para suportar e propiciar
para que seja feita de forma justa, isto é, há disponibilidade dos serviços com
a garantia do pagamento, mesmo que os recursos sejam poucos. Em síntese, não
sai nada de graça e alguém sempre está pagando.
O mesmo não se pode garantir na assistência veterinária. Na hipótese
de um cão que sofre um acidente e um voluntário simplesmente entrega a um
atendimento veterinário, fica a questão de quem vai assumir o custo deste
tratamento; ou aquele que quer ter um cão, mas, não podem arcar em eventual
doença; ou que não pode custear exames ou cirurgias mais complexas e quer um
tratamento alternativo tipo “quebra galho” (e depois sobra ao veterinário em
caso de insucesso). Então, de um lado estão os comovidos que querem
salvaguardar a vida animal, sem se importar em quem vai pagar, e de outro, na
possibilidade e da liberdade do profissional em recusar em aceitar a
assistência por falta de garantia; daí surge a acusação de que tal situação é inaceitável
porque fez o juramento e é uma obrigação de salvar a vida. Ou a justificativa
no aspecto jurídico, em que o atendimento é obrigatório e a cobrança posterior
deve ser feito, e se não pagar, há os meios legais de execução.
Há uma solução para esse conflito? É bem provável que essa discussão
se eternizará caso permaneça as mesmas bases do problema. Por um lado, os
médicos veterinários que são profissionais e assim possuem deveres e obrigações
éticas inclusive de cobrar o devido valor, e por outro, aqueles que defendem
que o profissional tem a obrigação de atender porque o animal é uma vida e fez
juramento pela profissão, independente do pagamento dos serviços. E o discurso
moral é sintetizado em “Você vai deixar meu cachorro morrer?” ou alguns intitulam
como veterinários “mercenários”.
O médico veterinário em sua conduta ética tenta nunca deixar o animal
morrer, pois, a última decisão por qualquer procedimento é daqueles que detém a
posse animal. Quem luta pela posse responsável, deve estar atenta pela
integralidade deste movimento. Uma vez que o ser humano historicamente
domesticou determinados animais e assumiu a sua companhia, passou a ter a
responsabilidade pela sua guarda e cuidados. Nesta evolução, o médico
veterinário é apenas um profissional prestador de serviço que espera ser
devidamente remunerado.
No mundo atual de necessidades materiais, seria ingênuo delegar
simplesmente aos médicos veterinários o ônus em assumir os riscos pelos custos
em nome da vida do animal e do juramento da profissão. O perfil do médico
veterinário é em defesa do interesse da profissão, alguns citam que escolheram
esta vida por amor, outros por vocação. Se a opção for apenas por estas duas
virtudes, provavelmente se frustrará no futuro, pois, é a remuneração justa é que
vai completar a satisfação profissional e suas necessidades materiais.
O perfil e a finalidade do profissional médico veterinário são
distintos daqueles que se manifestam simplesmente em defesa dos animais. Se os
que desejam a proteção integral dos animais como direito natural e universal,
assume o ônus e obrigação moral pela sua mobilização devendo buscar na
sociedade o amparo para que este ideal social seja plenamente alcançado, como
foi à construção do SUS. Ou que busquem angariar dos colaboradores e de forma
coletiva os recursos necessários para que o profissional seja devidamente
remunerado. Outro caminho e de maior envergadura seria a viabilização de
políticas públicas que possam avançar na área da assistência veterinária,
principalmente para aquelas camadas da população que não podem pagar, já é um
passo importante, pois, isto repartiria a responsabilidade com toda a
sociedade.
Em todo caso, é atitude irresponsável que estes manifestantes ou militantes
protetores de animais (até o Poder Público/controle populacional) estimulem ou
até pressionem os médicos veterinários para que atendam a baixo preço ou até
gratuitamente, ou, que deleguem simplesmente aos profissionais em assumir o
risco sozinho por atendimento sem garantia de recebimento.
Assim, aqueles que desejam que os animais tenham o direito a saúde com
um direito universal deve estar atentos as suas responsabilidades e buscar os
mecanismos para que isto seja devidamente provido.
Excelente post. Parabéns !
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